Por Hélio Taques*

Nesse estirão comprido que é a cultura brasileira, as diferentes regiões do país têm suas próprias peculiaridades linguísticas, as quais refletem não apenas a diversidade geográfica, mas também a riqueza histórica e cultural de cada local. Em meio a esse “chumaço” linguístico, o regionalismo cuiabano emerge como uma variação diatópica única e fundamental para a identidade da Baixada Cuiabana.

O “cuiabanês” é uma pepita de ouro! Tão valioso que não deve ser subestimado ou menosprezado, mas sim celebrado e preservado. Não há como descrever a sensação de reconhecimento quando ouvimos os versos “te deitchar apatchonada, quando ieu mostrar a maionese temperada” na música “Morena do Baguncinha”, cantada pelo personagem Xô Dito, interpretado pelo ator Tyago Mourão, ou ainda, os versos “Rasqueado em Cuiabá é só no rebuça e tchuça” na música “Rebuça e Tchuça” dos ícones Pescuma, Henrique e Claudinho.

Expressões como “tchuva” (chuva) e “dgente” (gente) podem ter suas raízes na influência espanhola, um vestígio histórico das interações culturais entre os povos da região. Da mesma forma, a presença da etnia Bororo contribui para a diversidade linguística, enriquecendo o léxico e a gramática do dialeto cuiabano. Você sabia disso? O seu falar é multicultural!

Uma das características marcantes do linguajar cuiabano é o uso de pronomes demonstrativos sem concordância com o sintagma nominal. Por exemplo, é comum ouvir frases como “Esse menina não veio aqui hoje” em vez de “Essa menina não veio aqui hoje”. Esse fenômeno, longe de ser uma inadequação gramatical, é uma expressão genuína da singularidade linguística cuiabana, uma manifestação autêntica da oralidade e da identidade cultural local, assim como nosso bolo de arroz e a nossa bocaiuva. Para aqueles que menosprezam ou, simplesmente, rechaçam, indico uma boa leitura do livro “Preconceito Linguístico” de Marcos Bagno.

Outro aspecto distintivo do regionalismo cuiabano é a utilização de construções sintáticas específicas, como na expressão “vou no mamãe” em vez de “vou na mamãe”. Essas nuances gramaticais não devem ser encaradas como erros, mas sim como parte integrante da riqueza linguística da região. A nossa força está na diversidade, o que somos sem ela?

É importante ressaltar que há uma diferença crucial entre norma padrão, prescrita pela gramática, e linguagem coloquial, falada no dia a dia. Enquanto a gramática representa as regras formais de uma língua, a língua é viva, dinâmica e moldada pelas interações sociais e culturais. O regionalismo cuiabano é um exemplo perfeito dessa distinção, uma vez que incorpora elementos únicos que transcendem as fronteiras da gramática tradicional, refletindo a autenticidade e a identidade do povo cuiabano para o delírio dos gramáticos mais caxias.

Em um mundo cada vez mais globalizado, é essencial valorizar e proteger as manifestações culturais e linguísticas locais. O regionalismo cuiabano não é apenas uma variação linguística, mas uma parte essencial da herança cultural da Baixada Cuiabana. Ao abraçar e promover essa diversidade linguística, estamos fortalecendo não apenas nossa identidade regional, mas também enriquecendo o mosaico cultural do Brasil como um todo. É a língua cuiabana dando uma piscadinha para o resto do país, valorize-a!

*Hélio Taques é servidor do MPMT, professor, artista e escritor. 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.