Coordenadora executiva da FENAMP e presidenta da ANSEMP, Vânia Nunes, assina artigo sobre a Reforma administrativa na página principal do site ICL Notícias. Confira abaixo:
É no mínimo contraditório que a Reforma Administrativa se diga contra os privilégios, visto que traz ferramentas que aumentam ainda mais o poder de membros e juízes
Ainda sem o tão aguardado texto do pacote de Projetos de Lei e Emendas Constitucionais prometidas pelo deputado Pedro Paulo, relator da Reforma Administrativa, é imperativa a preocupação dentro dos Ministérios Públicos Estaduais (MPE). Com a promessa de combate aos privilégios e modernização dos recursos humanos do Estado, as pistas dadas até agora do possível conteúdo da Reforma deixam os servidores com uma dúvida latente: a ampliação dos contratos temporários não poderia, indiretamente, atingir a estabilidade do emprego público?
Para explicar meu raciocínio, convido o leitor a conhecer a realidade que já enfrentamos dentro dos MPEs. Em levantamento feito pela Fenamp (Federação Nacional dos Servidores dos Ministérios Públicos Estaduais) a partir de dados do Portal da Transparência, já há mais cargos comissionados do que efetivos em oito estados brasileiros. Ou seja, nesses locais já temos mais profissionais contratados de forma temporária do que servidores que passaram por concurso público. Os estados que estão no topo desse ranking inconstitucional são: Mato Grosso (65,28%), Santa Catarina (65,07%) e Paraná (64,82%).
Essa realidade vem se agravando ao longo dos últimos 10 anos e os números nos saltam aos olhos. O maior crescimento ocorreu no Ceará, onde houve um crescimento de 679% no número de cargos de confiança no período. Já o segundo lugar, Pernambuco, registrou um aumento de 236,5%.
O que ocorre dentro dos Ministérios Públicos Estaduais pode se agravar e ainda se expandir para outras instituições com a ampliação de contratos temporários para até cinco anos, com quarentena de 12 meses para recontratação – determinação que deve estar presente na Reforma Administrativa.
Impor ainda mais contratos temporários ao serviço público é uma forma indireta de atacar a estabilidade e, ao mesmo tempo, desrespeitar a Constituição Federal de 1988, no artigo 37, IX, que reserva temporários para situações excepcionais.
A iniciativa é grave porque dá mais poder aos membros, que transforma os MPEs, na prática, em instituições submetidas às suas visões de mundo, podendo ser palco, no extremo, de nomeações de amigos, indicações políticas e nepotismo.
Dentro do serviço público existem grandes distorções e espera-se que a Reforma Administrativa encare essa realidade de frente e não aumente ainda mais o fosso entre as carreiras. É preciso que os servidores tenham espaço de fala dentro da instituição. No Ministério Público, os membros são chefes e eles que administram os MPEs e, portanto, definidores das políticas de recrutamento e seleção.
É no mínimo contraditório que a Reforma Administrativa se diga contra os privilégios, visto que traz ferramentas que aumentam ainda mais o poder de membros e juízes.
Também precisamos ficar atentos para que, de fato, a Reforma traga o fim das férias de sessenta dias e o congelamento das parcelas indenizatórias. É mandatório e moralmente necessário que não tenhamos remunerações que ultrapassem o teto constitucional de R$ 44,3 mil.
Não há dúvidas que mudanças na estrutura da Administração Pública são necessárias e bem-vindas. É preciso modernizar processos e criar alternativas que melhorem a experiência dos servidores e do cidadão, que merece receber serviços de qualidade. Mas é preciso, também, consciência para que tais medidas não aumentem ainda mais a distância entre os servidores e acabem por prejudicar o próprio estado de bem-estar social, compactuado na Constituição de 1988.
* Presidenta da Ansemp (Associação Nacional dos Servidores do Ministério Público) e Coordenadora Executiva da Fenamp (Federação Nacional dos Trabalhadores dos Ministérios Públicos Estaduais)
Foto: Agência Brasil