O presente documento emerge da regulamentação pelo CNMP e diversas unidades do Ministério Público Estadual e dos Tribunais de Justiça acerca do “estágio de pós-graduação”. As entidades sindicais e associativas subscritoras têm sido instadas a se posicionarem frente ao tema por assistentes sociais e psicólogos das referidas instituições. Desde então, temos promovido debates e estudos sobre o assunto, os quais contaram com quatro plenárias abertas, convocadas pela FENAMP, os quais agregaram a ANSEMP, FENAJUD, AASPSIBRASIL, ABEPSS e diversos sindicatos do ramo.

A precarização, caracterizada pela perda de direitos e ausência de regulamentação, tem sido a tônica da configuração do mercado de trabalho na atualidade. A flexibilidade nas relações entre empregadores/as e trabalhadores/as soma-se ao declínio de empregos permanentes, com o advento de novas formas de contrato, em geral com caráter temporário e desregulado. Essa configuração impõe desafios para que a população acesse empregos que garantam minimamente os direitos sociais historicamente conquistados, os quais têm sido vistos meramente como custos, portanto, empecilhos para ampliação de postos de trabalho.

As ameaças aos direitos dos trabalhadores/as no âmbito das unidades do Ministério Público e dos Tribunais de Justiça são inúmeras, havendo nos últimos anos a utilização de estratagemas de burla ao concurso público, com o intuito de direcionar o fundo público somente para a remuneração de magistrados/as e promotores/as e procuradores/as de Justiça, em detrimento do uso das formas legais para a contratação de trabalhadores/as. As formas de precarização do trabalho variam desde a contratação de exclusivamente comissionados, de terceirizados, de estagiários, até de “estagiários de pós-graduação”, as quais almejam uma força de trabalho técnica e qualificada por salários inferiores às carreiras e sem qualquer tipo ou frágil proteção social.

A iniciativa de setores do campo jurídico em introduzir o chamado “estágio de pós-graduação” representa mais uma ameaça à segurança e à qualidade do trabalho dos assistentes sociais e psicólogos nessa área. A proposta consiste na inserção de profissionais já graduados/as, sob a capciosa denominação de “estagiários de pós-graduação”, em instituições como Ministério Público e Poder Judiciário (por ora), como mão-de-obra barata, para execução de atividades que devem ser desempenhadas por servidores/as concursados.

Os debates sobre esse cenário nos encontros realizados, em síntese, concluíram que o “estágio de pós-graduação” é uma forma de precarização do trabalho profissional, pois são contratações de curto prazo, com baixa remuneração e sem as devidas proteções, na tentativa de substituição de contratações por concurso público.

Além disso, não se trata de proposta de formação qualificada, considerando que nasce do empregador, via de regra apartada das instituições de ensino da área que desenvolvem os cursos de pós-graduação.

Essa modalidade esdrúxula, verdadeiro ornitorrinco das relações de trabalho, poderá, em pouco tempo, acarretar prejuízos à população, pois tanto o Ministério Público quanto o Poder Judiciário, nas especificidades da sua atuação, exercem enorme influência e/ou controle sobre os rumos das políticas públicas e da vida dos cidadãos implicados em querelas de diversas naturezas. 

Nesse contexto, o trabalho do Serviço Social e da Psicologia nestas instituições se reveste de elevada especialização e requer alguns anos de experiência direta para o devido conhecimento da dinâmica e das especificidades das instituições do Sistema de Justiça, bem como das particularidades das demandas, para então produzir estudos e pareceres à altura das necessidades da sociedade. 

Diferentemente de outras áreas de atuação do Serviço Social e da Psicologia, no âmbito das instituições aqui reportadas, geralmente, a intervenção profissional se traduz em documento técnico devidamente assinado pelo profissional responsável. Tal parecer subsidia a tomada de decisão por promotores/as, procuradores/as de Justiça e magistrados/as, portanto documento que fará parte de expediente administrativo, inquérito civil ou processo judicial, estando sujeito ao crivo do contraditório.

Essa modalidade de contrato, sem as devidas salvaguardas, expõe a risco de danos às próprias instituições contratantes, aos profissionais envolvidos e à população, haja vista possível imperícia de profissionais que estejam atuando diretamente no campo, sem supervisão direta – uma vez que os editais não tratam de supervisores no local de trabalho do estagiário. Nesse contexto, os estagiários são instados à responsabilização  autônoma pela produção de documentos, na condição de estudantes de curso de pós-graduação, portanto sem experiência ou maior conhecimento sobre a dinâmica de tais instituições e dos ritos do Sistema de Justiça.

Mesmo sendo evidente que os estágios de pós-graduação são uma forma de precarização do trabalho, eles já estão acontecendo e não há impedimento legal para sua implementação, haja vista que tem sido evocada pelos empregadores a Lei de Estágios, a qual é genérica ao tratar do assunto. A cada dia surgem novos editais ou decretos e, ainda, a proposição de residência em diversas áreas técnicas.

Diante disso, elaborou-se um planejamento das lutas para o enfrentamento da questão, as quais envolvem dois eixos: 1) a interlocução institucional, a qual é da prerrogativa dos sindicatos e associações e 2) premência de regulamentação da supervisão ao “estágio na pós-graduação” pelas profissões.

As entidades subscritoras entendem imprescindível a regulamentação da matéria por parte dos Conselhos Federais. Considerando que o “estágio na pós-graduação” é um fato, tendente a ampliação, há uma área do seu enfrentamento e da mitigação de seus efeitos deletérios relativa à regulamentação pelas profissões quanto à supervisão do estágio de pós-graduação. Assim, recorre-se ao Conselho Federal de Serviço Social e ao Conselho Federal de Psicologia a fim de que os assistentes sociais e psicólogos dos Tribunais de Justiça e do Ministério Público possam vir a contar com diretrizes do órgão responsável pela fiscalização do exercício das respectivas profissões.

As entidades subscritoras, por meio dos assistentes sociais e psicólogos de suas bases ou direções, reconhecem que o Serviço Social e a Psicologia, balizam sua atuação por projeto ético-político-profissional calcado na democracia, na defesa dos trabalhadores e alinhado com a luta pela emancipação humana. Portanto, reconhecem o CFESS e o CFP como aliados nesta luta, tanto que suas direções participaram de uma das plenárias realizadas.

Ademais, entendemos ser necessário um processo de resistência e, portanto, imprescindível a definição de estratégias com proposições que vislumbrem, por um lado, resistir à essa perigosa ameaça ao horizonte profissional, e por outro, construir regulações que condicionem essa modalidade de estágio, caso se efetive, a parâmetros qualitativos mínimos no campo da formação e salvaguardas ao exercício profissional.

Neste sentido, apresentamos proposições que resultaram das plenárias realizadas, as quais serão aliadas importantes na luta contra a precarização do trabalho do assistente social e psicólogos, com repercussões para outras categorias profissionais:

a) Normatizar sobre a supervisão direta do estagiário de pós-graduação, de modo que este atue na mesma área de abrangência do servidor que fará sua supervisão, nos termos da resolução 533/2008 (no caso do CFESS);

b) Necessidade de voluntariedade do assistente social ou psicólogo para a atividade de supervisor, bem como de carga horária compatível com a supervisão;

c) Exigência de nível superior de formação do supervisor, em relação ao pós-graduando supervisionado;

d) Atentar para que seja assegurado que os cursos de pós-graduação do candidato ao estágio sejam compatíveis com a formação e especificidades do Serviço Social e da Psicologia aplicada ao Sistema de Justiça, bem como dissociada de práticas terapêuticas e outras para as quais haja restrições normatizadas pelo conjunto CFESS/CRESS e CFP. Desse modo, é importante que haja compatibilidade entre a proposta pedagógica do curso de pós-graduação e o campo interventivo, com a delimitação dos objetivos de campo, atribuições do estagiário e definição de carga horária da atividade de aprendizagem.

e) Atuar no sentido de que a regulação do Conjunto CFESS/CRESS e CFP não preveja a obrigatoriedade da inscrição do candidato perante o respectivo conselho, ficando à liberalidade do estagiário manter ou não sua inscrição junto ao conselho, já que o contrato de “estágio” não está circunscrito ao exercício profissional, mas à proposta de formação. Ademais, a condicionalidade de registro profissional poderá legitimar e reforçar formas de trabalho precarizadas; assim como a assunção de responsabilidades, pelo pós-graduando, para realização do trabalho técnico, muitas vezes, avolumado, travestida de “estágio”, o que poderá ser incompatível com a aprendizagem que caracteriza o estágio e, ainda, contribuir para diminuição ou fechamento de postos de trabalho.

f) Garantir o lócus do estágio, enquanto espaço de aprendizagem e não de intervenção técnica, por meio da articulação entre o supervisor acadêmico/pedagógico, o de campo e o supervisionado, demarcando a tríade do processo supervisório, com o fito de delimitar as atribuições do estagiário ao campo cognoscente e a não colisão com as atividades do profissional do campo de estágio.

g) Enfim, buscar evitar urgentemente a ultrapassagem dos limites da formação e assunção de responsabilidades técnicas pelos estagiários, como emissão e assinatura de Pareceres e documentos técnicos, em substituição aos profissionais das instituições.

Brasil, julho de 2022.

FENAMP
FENAJUD
ANSEMP
AASPSI BRASIL

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